quarta-feira, 7 de agosto de 2013

HOJE AS CRIANÇAS MATAM.
POR QUE TANTO ESPANTO?
por Milton Saldanha*

Uma arma, para um bandido, é um bem valioso. Nenhum bandido abandonaria uma pistola calibre 40, privativa da PM, no local do crime. Esse é o detalhe que mais chama minha atenção na tragédia da família de PMs da Vila Brasilândia. E se fosse alguma vingança, convém observar que o desafeto completaria sua obra macabra deixando isso claro, para satisfazer ainda mais seu instinto sádico. 

Tudo converge para a tese da polícia de que o garoto Marcelo, de 13 anos, realmente, e infelizmente, assassinou a família e depois cometeu suicídio. Não sei a razão de tanto espanto das pessoas, num país onde ate garotos de 10 anos já foram flagrados, armados, assaltando nas esquinas e invadindo residências. Essa campanha pela redução da idade para responsabilidade penal é a prova mais cabal de que a infância, hoje, não é mais aquilo que foi a infância no passado. A infância que eu tive, por exemplo, nos anos 1950-60, quando era impensável alguma criança portanto arma que não fosse de brinquedo. O que, a propósito, foi sempre absurdo. Fabricar armas de brinquedo é uma indução à violência.

Meu pai foi militar, oficial do Exército Brasileiro. Cresci dentro de quartéis. Essa influência foi muito forte na minha vida e na minha formação, embora a vocação para o jornalismo tenha se manifestado muito cedo, também na infância. Tornou-se inevitável um prematuro fascínio pelas armas, brasões, uniformes, bandas marciais. Motivação que me levou, aos 10 anos, tornar-me escoteiro, um movimento repleto de simbolismos militares, incluindo até continência, a saudação militar. 

Essa rápida reflexão me abre caminhos para buscar entender a cabeça do Marcelo. O pai, sargento da ROTA, tropa de elite da PM, portando medalha no peito. A mãe, cabo. Armas e temas sobre a violência, portanto, fazendo parte natural da rotina da família. Ou seja, excitando a imaginação da criança. A morte, com certeza, tratada todos os dias como o triunfo do bem sobre o mal. Ou como a injustiça que precisa ser restaurada. Marcelo se divertia, se é que dá para usar essa palavra, com games de extrema violência, que deveriam ser proibidos. Mas, no entanto, compráveis em qualquer esquina ou disponíveis na Internet. Seu mundo, portanto, era povoado por aquela violência limpa, cheia de glamour, sem sangue, onde matar é um ato banal, que se pode cometer, ou assistir, enquanto se engole uma refeição, com os olhos grudados na tela. 

O imaginário de Marcelo foi sendo moldado a cada dia por esse cenário repleto de violência, e aqui não está em questão se os seus pais eram algozes do banditismo. Mesmo quando é a favor da justiça e da proteção da sociedade, a violência será violência em qualquer circunstância. A execução de um réu acusado de atrocidades, ainda que justa, não deixa por isso de ser violência. Uma linguagem que faz parte do instinto dos homens e dos animais, goste-se ou não. E que apenas muda de intensidade conforme o caráter e a formação de cada pessoa. E de cada circunstância. Eu, por exemplo, com toda minha formação humanista, desejando sempre a paz, desejei enforcar num poste o sujeito que tacou fogo na moça dentista, lá do ABC. O que quero dizer com isso? Que ninguém está imune à violência. Muito menos uma criança que nasceu e viveu seus poucos anos de vida sem conhecer outro cenário. 

A estrutura capitalista é isso. Se o normal do sistema fosse a generosidade e o altruísmo, com as pessoas buscando a felicidade e sentindo prazer em ver os outros também felizes, o crime seria menos presente, ainda que certamente inevitável. E mais: a dinâmica do lucro financeiro fez o mundo esquecer de algo muito importante: infância é sinônimo de fragilidade. Uma criança é um ser extremamente delicado. Elas, na verdade, com suas mentes expostas à deformação, assimilando os preconceitos e o atraso dos pais, são as grandes vítimas. O que dizer, então, das crianças abandonadas à própria sorte, nas ruas, sem família e sem proteção do Estado?  

Logo, uma vez consumada a tragédia, por que tanto espanto? Desculpem, só pode ser cinismo.



* Milton Saldanha, 67 anos, gaúcho, é jornalista desde os 17 anos. Trabalhou na imprensa de Santa Maria (RS) e Porto Alegre. Vive em São Paulo há mais de 40 anos. Passou por muitos empregos, entre eles Rede Globo, Estadão, TV Manchete, Diário do Grande ABC, Jovem Pan, revista Motor3, Ford Brasil, IPT, Conselho de Economia e vários outros, inclusive na Ultima Hora. Ao se aposentar, criou o jornal Dance, já com 19 anos. É autor dos livros “As 3 Vidas de Jaime Arôxa” (Editora Senac Rio); “Maria Antonietta, a Dama da Gafieira” (Phorte Editora) e “O País Transtornado” (Editora Movimento, RS). Participou da antologia de escritores gaúchos “Porto Alegre, Ontem e Hoje” (Editora Movimento)

LADROEIRA LÁ E CÁ.
por Carlos Brickmann*

A denúncia de uma grande ladroeira está rodando por aí há mais de cinco anos, sem que o Governo se preocupe. De repente, por coincidência perto das eleições de 2014, o assunto é retomado. E o Governo diz que não sabia de nada.

Mais um escândalo do PT? Poderia ser - mas este atinge o PSDB, em seu principal núcleo, o paulista. Nele são citados seus principais líderes, Alckmin e Serra, e também sua grande referência moral, o falecido governador Mário Covas. Outro líder tucano, o presidenciável Aécio Neves, também terá problemas: não é que ao mesmo tempo deve ser julgado no STF o Mensalão mineiro? 

A denúncia da Siemens de formação de cartel em obras públicas paulistas desde a época do Governo Mário Covas é recente. Mas as investigações na França e na Suíça sobre propinas pagas pela Alstom no mesmo caso, no mesmo período, foram divulgadas na imprensa internacional (e também por esta coluna), desde 2007, sem que o Governo paulista se movesse. A reação tucana, de reclamar de "vazamentos seletivos" de informações, para prejudicar o partido, é justa: os vazamentos mostram à opinião pública apenas um lado da questão. Mas é igualzinha à reação dos petistas quando alguma denúncia de corrupção os atinge.

O PT foi criado para ser "diferente de tudo o que está aí" - e hoje luta para provar que os outros que estão aí são iguaizinhos a ele. O PSDB foi criado para livrar-se da sujeira que via no PMDB de Quércia - e teve de buscar o apoio de Quércia na eleição presidencial. 

Iguais até nisso: o Senhor fez, o diabo juntou.

Sobe e desce


Quando o governador fluminense Sérgio Cabral era campeão de popularidade, um deputado petista enviou-lhe aquele SMS que foi fotografado e ficou famoso: "Você é nosso e nós somos teu". A popularidade do governador caiu, o PT já não somos mais teu: o partido estuda o rompimento com o governador, a devolução dos cargos que ocupa e a confirmação da candidatura de Lindbergh Farias ao Governo, contra o candidato de Cabral, Luís Fernando Pezão.

Para aproveitar a fraqueza de Cabral, o PT não está obedecendo nem à presidente Dilma Rousseff: ela garantiu a Sérgio Cabral que "não abandona companheiro na crise".

Coerência total


O presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson, informou a posição do partido nas eleições presidenciais: a) não aceita nem Lula nem Serra; b) Se Dilma cumprir os compromissos que assumiu e nomear petebistas para bons cargos, irá apoiá-la na disputa presidencial - isso, claro, se ela parar de cair nas pesquisas; c) caso Dilma caia nas pesquisas ou não nomeie os petebistas que ele indicar, pode apoiar o tucano Aécio Neves (seu preferido) ou o pessebista Eduardo Campos. Traduzindo: apoia quem tiver mais chance de ganhar, tanto faz quem seja.
E é para isso que temos de pagar tanto dinheiro público para tantos partidos.

PM punidos. E os outros? 


No processo pela invasão da Casa de Detenção do Carandiru, em que morreram 111 presos, 25 policiais militares foram condenados, cada um, a 560 anos de prisão. Mas só eles. Os dois juízes que os acompanhavam poderiam determinar que não houvesse a invasão, ou que, diante do custo em vidas, a invasão fosse suspensa. Nenhum se manifestou. Hoje, ambos são desembargadores. O então governador Fleury e o secretário da Segurança, Pedro Franco de Campos, sob cujo comando estava a PM, entraram no processo, mas como testemunhas.

Era a invasão necessária? O diretor do Carandiru, Ismael Pedrosa, disse que lá havia briga de detentos, não uma rebelião. Não havia reféns, não havia ninguém envolvido exceto os detentos, e não havia, portanto, motivo para a invasão. Sua sugestão era cortar a luz e a água e esperar o fim da confusão. Não foi atendido.

O berço do inferno


A invasão do Carandiru foi o estopim para a criação do PCC, Primeiro Comando da Capital, base do crime organizado em São Paulo. O objetivo era combater os maus tratos aos presos; o pano de fundo era dominar as cadeias, tendo certeza de que, após a mortandade do Carandiru, outra invasão jamais haveria.

Mão aberta... 


A presidente Dilma Rousseff decidiu que os promotores de espetáculos culturais e esportivos devem vender 40% dos ingressos pela metade do preço, para estudantes entre 15 e 29 anos - desde que tenham a carteirinha da UNE, UBES (secundaristas) ou ANPG, Associação Nacional de Pós-Graduandos, entidades controladas pelo PCdoB, que apoia seu Governo. O Governo entra só com a lei, mas sem colocar dinheiro. Só que os empresários têm custos a ser cobertos.
Quem paga a conta? Os 60% que não têm privilégios. E pagam caro: com quase metade dos ingressos com desconto, o preço da entrada integral fica lá em cima.

...com o bolso dos outros


O Governo decidiu, em outras ocasiões, obrigar as empresas de ônibus interestaduais a reservar duas poltronas por viagem para passageiros sem recursos. Há também meia entrada para pessoas com mais de 60 anos. 

Desconto para livros, roupas, comida, aluguéis, isso não há; mas show de Latino sai baratinho, que o Governo é ótimo para dar benefícios com o dinheiro dos outros.










* Carlos Brickmann é Escritor, Jornalista e Consultor, diretor da Brickmann&Associados Comunicação - http://www.brickmann.com.br.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

“OS HUMILDES, OS IRREVOGÁVEIS E OS CHATOS”
por Marli Gonçalves*

Já não basta o ingresso no assustador mês de agosto, a alta da inflação, o governo dando rodopios, fazendo e desfazendo birutices? Agora resolveram que se mexer significa anunciar fantasias, mentir, ludibriar, atacar e se fazer de bonzinhos, de transparentes, de acessíveis. Um monte de Marias Madalenas arrependidas e constritas, almas recuperadas pelo Papa Francisco.

Sabe aquelas imagens de filmes que mostram pessoas pulando brasas? Ui,ui,ui! Pois é. Assim está o governo desta nossa a cada dia mais fantástica, surreal e divertida República. Outro dia li que, de tanto recuar no que decide, o governo vai acabar é caindo no abismo. Discordo, acho que não: vai para a frente, vai para trás, e não sai do mesmo lugar, fica ali cavando um buraco, rasgando o chão, igual mula quando empaca. O pior é que a sarna está se alastrando: governadores e prefeitos também estão que nem doidos. Parece que além do gás lacrimogêneo e de pimenta estão usando spray de inseticida: barata voa!

Amigos que ainda acreditam em milagres: não venham me atacar! Só respondam: entre as medidas anunciadas naquele saquinho, quando os caras e as caras juravam que estavam ouvindo a voz das ruas, qual está em vigor? Oi? Hein? Fala mais alto que não estou ouvindo direito. Nenhuma, não é? 

Nem corrupção é crime hediondo, o que também enquanto decisão é uma bobagem sem limite, nem os impostos caíram, nem os parlamentares passaram a prestar, nem reforma política, nem redução do número de ministérios, nem os custos do governo, enfim, neca de pitibiriba mudou. Resolveram trazer médicos estrangeiros, e estamos vendo no que esse tal programa "Mais Médicos" vai dar: se gastassem em Saúde o que gastam em pesada campanha publicitária cheia de gente sorridente e equipamentos hospitalares tinindo apresentados pelo Herson Capri, pelo menos um posto médico completo, quiçá um hospital, nasceria. Mas é mais fácil contratar globais - aliás, que vergonha! A lista inclui Regina Casé na Caixa, com a Caixa e suas bolsas, esquentando nossas orelhas e paciência, Milton Gonçalves, muitos, e ainda pagam por vozes, locuções, especialmente daquele ser, o tal Zé de Abreu. A ostensiva campanha da Friboi, acreditem, também tem forte viés político, além do privado. Aguardem, que a carne é fraca.

Outro dia, verdade seja dita, até que a presidente mandou bem ao sancionar a lei que garante apoio às vítimas de estupro, obrigando os hospitais a atender e fornecer assistência completa e a pílula do dia seguinte para as mulheres que sofreram abusos sexuais. O bando de crápulas reacionários que dizia que isso era o "caminho para a liberação do aborto", e que ainda volitam e integram as esferas do poder tiveram de engolir essa. Mas continuam aí, com a cruzada pelo obscurantismo em outros temas, e todos aliados na base do governo, vale lembrar.

O momento está muito difícil para quem tem um mínimo de raciocínio lógico e independência. Não há onde se agarrar, e a gente fica meio que solto no espaço. Todo mundo acha lindo quando detectamos e escrevemos sobre as falcatruas de uns e outros; ora atacados por ser de direita, ora por ser de esquerda, essas duas definições bem bobas, em geral vindas de quem está bem escorado, inclusive financeiramente, em algum desses muros. Não imaginam as correspondências que recebemos, nem como as nossas orelhas ardem, ou como nossos bolsos nada contêm. Nem têm ideia de como são operadas internamente as decisões, o que inclui pressões, cortes de trabalho, investigações especiais, grampinhos, etc., etc. Não tem refresco. Só pimenta.

Por essas e outras que cada vez que vejo esses verdadeiros anjos de candura se movimentando, declarando estar convencidos da justeza das reivindicações, falando em reforma política e economia, sinto terríveis câimbras. Quando vejo um indigitado como o Sergio Cabral falando que agora percebeu que não era humilde, mas que o Papa fez esse milagre, e logo depois pedindo trégua aos manifestantes pelos seus filhos pequenos - os vizinhos que explodam, não?- tenho vergonha. Aproveitando: cadê o Amarildo?

Assim, modestamente, orgulhosamente, venho a público pedir caridosamente que cessem as tentativas vãs de nos engabelar a todos com medidas revogadas horas depois, ou apenas de papel. Aproveito e peço, sem máscaras no rosto - e atirando para todos os lados - que busquemos um caminho para superar este momento. Chega de teses mirabolantes, de conspirações malfeitas, de efeitos de marketing que não levam em conta a comunicação límpida, pura e simples, como a do Papa em sua histórica passagem pelo país. 

Escute. Não é o imperialismo internacional que está promovendo os movimentos para desestabilizar o país. Os jovens que estão transmitindo ao vivo as manifestações com os seus celulares são de todos os matizes, incluindo petistas, comunistas, qualquer coisa, porque - coitadinhos - pouco informados que são, acreditam que a revolução que pretendem passa por aí. São idealistas. Apenas aproveite, assistindo, como se estivesse lá onde só eles têm coragem de estar. Os bobocas, BBs, black bobocas, que cobrem os rostos com máscaras, fabricam molotovs e saem quebrando coisas são apenas bobinhos perigosos porque pensam que o jogo de videogame e a realidade são a mesma coisa; estão brincando de ser gente grande, de guerra, de guerrilha - quando chegam em casa dizem sim, senhor e devem mesmo levar umas boas palmadas.

Mas, finalmente, por favor, não façam nem permitam o que estão fazendo com a imprensa, com o jornalismo, com a minha querida profissão. Parem com essa bobagem de agredir repórteres, fazer com que os das tevês apenas sobrevoem as manifestações. Somos nós que as divulgamos e ampliamos, e que podemos fazer com que mais pessoas participem. 

Somos nós, jornalistas, que estamos órfãos de quem nos defenda.

São Paulo, daqui a pouco até sem bancas de jornais, 2013 











* Marli Gonçalves é jornalista - Cordialidade tem limites. 

E-mails: marli@brickmann.com.br e marligo@uol.com.br. Tenho um blog, Marli Gonçalves, divertido e informante ao mesmo tempo, no marligo.wordpress.com. Estou no Facebook. E no Twitter @Marligo.